janeiro 01, 2011

- Aprendizes Sentidos (Amores)

(Anos Vários, Muitos Anos, Anos Tantos)








Ana Lúcia

Ana Lúcia era linda.
Tão bela menina
Como um poema de tristeza
Cantado ao fim do sol.
Tinha olhos fundos,
Tão profundos como um poço
E, deles, nunca vi
Uma baldada de lágrimas sequer.

(Como deviam ser frescas as lágrimas de Ana Lúcia)

Ana Lúcia tinha beijos
Com gosto de noite e jazz.
Era lenta...
Sua voz rouca
Fora feita para o sussurro apenas.
Sabia segredos de carícia
E suas mãos, somente suas mãos,
Tinham aquele afago preguiçoso e voraz
Que Ana Lúcia fazia.

Ana Lúcia talvez me amasse,
Talvez não.
Lá, da sua maneira, sei bem
Que me queria muito.
Tínhamos um não o quê
Nos tornando comuns.
Quem sabe a intensa melancolia,
Avalassadora e sedenta
Que nos atravessava as noites.

Nessas noites nos amávamos.
Como dois sobreviventes,
Como duas derradeiras almas viventes
Numa terra caótica e destruída.

Ana Lúcia vivia muito.
Vivia fora do mundo. Era só.
Detestava o real e desejava viajar
As paragens do inconsciente
Por longas horas de meditação.
Ana Lúcia gostava de ler.
Ana Lúcia gostava de amar.

Um dia, Ana Lúcia saiu de carro.
(Ana Lúcia tinha um carro como ela,
Pequeno e aconchegante).
Procurou-me nos bares.
Disseram-me depois que chorava.
Disseram-me depois tantas coisas,
Mas só uma ouvi bem:
Ana Lúcia morreu.

Ana Lùcia morreu, disseram-me,
Como esperassem de mim um desmaio
Ou um turbilhão de lágrimas convulsas.
Contudo, nada disso aconteceu.
Vi nisto, na sua morte,
Mais uma experiência de Ana Lúcia.

Ana Lúcia morta.
Difícil imaginá-la assim.
Parece-me um livro e seu final.
Um livro sem final feliz.
Porém, não deixa de ser lindo
Ver a vida de Ana Lúcia e sua morte.

Talvez por que Ana Lúcia sempre foi linda
E especialmente viveu.
Ana Lúcia foi como esta poesia de Ana Lúcia,
Triste e conformada,
Melancolicamente terminada,
Por que descobri que amo Ana Lúcia
Assim morta e relembrada.

Com explosões de saudades
Num fundo poente de tarde
Por entre ramarias de pomar
Ao lado de um lago seco
Da vida por terminar.




Porto de Passagem

Sobre a espera pacífica de naus ancoradas
meus olhos são uma sombra de gestos de pergunta.
Da infinidade de seus gestos indefinidos,
permaneço aguardando que surja a brisa,
uma manhã, que me permita soltar amarras
e navegar para fora, ao mar mais livre, meu lugar.

Enquanto, no escuro, sinto por fora sua indecisão
que são cordas da âncora ao casco, prendendo,
um oceano vasto imagino no cais da noite.
Sinto também velas prontas no alto dos mastros
presas aos cabos do seu medo, que lhe proíbe.
A cada vez que meu abraço urgente lhe convence,
pede um breve adeus para adiar seu receio.
E assim, meditando passos de uma grande insatisfação,
percebo o dia passar e morrer quieto e quente
sobre sua dúvida soturna de partir.
Mais uma noite há de vir agasalhar meu desgosto
costeiro e raso, na espera do mar em frente.

Mas, eis que sopram ventos diferentes.
Calando a vontade de partir, descrevo a você, finalmente,
minha natureza impetuosa de marujo
que ao porte das ondas se descobre e sobrevive.
Conto histórias fantásticas de monstros antigos.
A você, dedico mapas de riquezas fabulosas.
Descrevo-lhe os outros povos e minhas aventuras.
Revelo afinal, confidente, que a terra é redonda
e que, para além do horizonte, há um continente.

Você duvida extasiada. Silencia e tem aflições.
Depois mal sorrí, quando digo que vou partir.
Proponho, com os olhos fixos no bojo da nau mais bela,
a você, a escolha irrevogável:
ou fica na sua dúvida para lembrar de mim,
ou vem, para lembrar comigo do porto de que partiu.
Calada, se escondeu por entre as sacarias dos armazéns.
Assim me foi dada sua recusa envergonhada.
Assim soube sua notícia de liberdade desdenhada.
Porém, não lhe quis mal por isso, não pude recriminar
o fato de ser você da terra e eu do mar.

Podemos apenas aprender que sobre esta terra e o mar,
sobre  tudo que ainda não sabemos,
haverá sempre um céu enorme, extenso, azul, a esperar. 


 
Amor é Plágio

Vejo teu passo.
Aquela voz, som amortecido, guardado.
Vejo teu gesto.
Uma contradança na expressão anônima.
Vejo teu nome.
Lindo, suave: silabo nuance, significado.
Vejo tua pele.
Aceito meus olhos deitados sobre ti, tapete.

A cada volta, turista da tua descoberta próxima.
Hoje o sorriso - alegria menina dança - absorvo.
Absorver-te imagino, chupo tua boca sorvete.

Cada vez mais curioso, copio teu ser assim.
Aquele pé, aquela coxa, o teu lábio cheiroso.
O olhar ligeiro, viés do teu desgosto escondido.
O prazer no perigo, a amassada manhã,
sentimento vasto que acordaste em  mim.

Inteira, cá dentro, te repito e repito e repito.
Decoro teu gosto, em teu jeito me encosto.
Não mais no teu corpo, este rosto maroto.
Acompanha o momento este ser outro -
meu - roubado de ti e que em mim suscito.

Ias autônoma por lá, vida que escolheste.
De repente, cá está, cativa e reproduzida
no deslumbrar de alento, febre copiativa.
Cada vez mais possuída, não feneceste.
A magia permanece, ambas existentes:

Tu em ti, como sempre, independente.
Tu em ti e em mim o teu clone somente.
Assim te amo em mim sem pertinência.
Meigo, selvagem, feroz, úmido contágio.
Te amo em mim como um plágio.

Sinto meu o teu passo.
Esta voz, som amortecido, internalizado.
Busco teu gesto.
Um seguir, querer, um sortilégio atávico.
Sei teu nome.
Gravei cada motivo, sorriso, emoção que teve.
Vejo minha tua presença.
Aceito teu ser guardado em mim, eterno deleite.



Aprendizes Sentidos

Mãos percorrem o tato,
poros latejantes,
dobras reentrantes,
empalmados, pegados.

Agridoce sabor,
semen, secreção,
umidade, saliva, paixão
em seu inteiro teor.

Olhos em fusão
especulam sensações,
semicerrada cor,
reviradas tentações.

Escaldante cenário
de gementes sussurros,
gritos ocasionais, urros,
tonitruantes delíquios.

Em tudo um cheiro de cio,
um pensamento único, febril,
possuir-te inteira, voraz.
Tudo me faz, de ti, um aprendiz.


Instinto

Sabe como te achei?
Foi fácil, foi pelo faro:
você rescende a fêmea.

Agora, te cheiro,
te apalpo, te lambo,
te mordo, te monto.

E não me engano:
você transcende a fêmea.
Copula, se espoja,
geme, se agacha,
gane, se goza.

Não se lave.
Quero teu cheiro,
quero teu gosto,
quero teu corpo,
quero teu mel:
te esfrega em cada canto da minha toca.








 Recados I                                                      






Civilização Européia

Veja senhor pedreiro
que belo tipo manero
caminha ali no terreiro.
E acredite, deu xilique na obra,
a peãozada toda gritava:
Gostooooooooosa !!!


 
Nuca

Caminhando no mar,
portas abertas, par em par,
venta na vida seu ar
a linda nuca menina invulgar,
cuja alegria me faz amar.
Beijo meu, menina solar.


 
Dependente

Olhando meu vício de frente, assumo:
não quero largar, não quero parar.
Somente beijar, beijar, beijar e beijar.






 






















Wendy

Linda mulher – que glória!
Menino na sua beleza,
empresta a mim, agora,
o lábio discreto, a leveza,
o beijo em que me veja,
a emoção que me comporta.


Nuvem

Não é bela, é instigante.
Sua expressão não sorri, traz alegria;
não diz nada mas desafia.
Há o mistério de uma história branca
no horizonte em mar de navegante.





 
















Bom dia

Bom dia, amada,
uma linda quarta
cheia de pequenos
sábados que vem.


Explicação

Quando abrimos nossa intimidade.
Quando os corações desejam e falam livremente.
Quando confiamos e nos dedicamos e nos procuramos.
Quando nos depositamos, vulneráveis, nas mãos de alguém.
Quando há alegria no encontro, prazer no contato, cuidado no trato.
Quando tudo isso acontece e zelamos para que continue acontecendo,
descobrimos que estamos amando. E nos revelamos.
Entendeu, amor?


Paixão




















A paixão é um amor precipitado e enlouquecido, não tem hora para surtar.
O tratamento é uma quimioterapia sem paliativos, cheio de efeitos colaterais, mas a cura é definitiva: se não matar, imuniza.
Pelo menos por algum tempo.


                                                                






Mel Destino

Você é meu abismo,
princípio e precipício.

Derradeiro despenhadeiro.

Nada mais além,
Antes não importa.

Levita, plana, submerge.
Vôo em gravidade zero.

Glorifica e trina em mim
tudo que sei e aprendi:
cantos de antanho, preces,
futuros possíveis,
delírios irrecusáveis,
prazeres deliráveis.

Abissal deslumbre,
não te quero.

Te quero sim, brilhante.
Tua vida em tom amante,
despojada e plena,
com quem seja teu momento.

Se há Deus, que seja justo:
conceda-me acompanhá-la distante.
Vê-la, velá-la, adorá-la.
Cuidá-la, senti-la, sê-la.

Você sempre foi meu abismo.
Antes, depois, durante.
Tua vida é meu destino.
Princípio e precipício.

Meu canto adorável, último gesto.




Pri, por si só, poesia.








Ah!... essa menina.

Essa, que nunca tive, que sempre busquei em cada ser.
Chama-me terna, nua e limpa. Contempla-me, solidária.
Sabe amar-me - sou tua - me diz, estarei no seu mundo de sombras 
enquanto for capaz de ser feliz. Essa mulher me assusta, tremo.
Redijo luas, espanto constelações: Berenice! Tua lembrança...
Então me aflige cada contato, tua pele escuta meu carinho.
Redijo e leio, leio e sonho, ausculto teu peito não teu seio.
Não és mãe, não és esposa, não és filha. És meu bem, mulher.


Permanência

Crisálida crise no interior do claustro triste,
percorro labirintos meus, minotauro exterior.
Amor contido, doença? Não, apenas existe
lição que me passei, auto aluno e professor.

Recorto-me contra a silhueta da crisálida,
dela não encontro perfeição a transformar.
Renascer? Não, em súbita vertigem pálida
há dever, original sempre: fazer-se voar.


Я




Bocejo

Você me atrai tanto, 
em cada bocejo,
presta atenção,
eu me levanto.

Fico bobo, bobo são.
Olhando teu jeito,
Essa coisa, coisa de leito,

Querendo espremer,
começar pelo feito e
desdobrar antes,
começar pelo peito,
sumar seu prumo
com jeito, e feito,
cobrir teu corpo fêmea
com meu macho,
essa coisa, sem pena.
Ver teu riso, grito
Misto de papoulas
E açucenas grávidas.

Rodar-te verde,
orquídeas, mangas,
figos, torrentes sucos,
Sulcos através de mim.
Em cada pétala
Assumir teu sumo,
Deter teu prazer,
Revirar teu corpo,
Nádegas, pernas.

Conduzir teu prazer.
Apoiar teu suspiro.
Arrefecer teu latejo,
apoiada em meu peito.

Ter você em mim.

Rasgado

Cada momento se faz de esgarçamento de tempo.
Cada tempo se cria a partir de um pequeno perdimento.
Ali, não realizamos se lá está cá ou sabe-se lá onde.
Esgarçar tempo é coisa de gente séria.
Só podemos fazer quando estamos sorrindo.
Outro pequeno perdimento...



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* Obrigado, volte sempre.





6 comentários:

Unknown disse...

.
Dístico

Tu ficarás comigo, enquanto um pássaro
houver que cante e sonhe na viagem.

E a noite que nos viu será eterna
sobre esses campos úmidos de aurora.

Tu ficarás no vento e nas estrelas
e serás a alegria dos caminhos.

Tua presença cantará nas pedras,
teu riso estranho sorrirá nas flores.

E por onde eu seguir, como perdida,
Tu estarás,
.................tu ficarás,
.................................comigo.


Carla.

Unknown disse...

Composição
.

O amor põe suas mágicas
em funcionamento.
O amor compõe, propõe, supõe,
indispõe e interpõe,
sua adaga entre o ser
e o vazio do vício
(a ser-viço do amor).

O amor compõe seus ácidos
na linha mais ambígua
da mão, entre o desejo
e o tato, neste incêndio
propagante e terrível.

O amor dispõe seus plácidos
novelos enredados
e fio a fio supõe
sua mosca, seu tédio
e sua deslizante
atração de suicídio
e adultério.

..................O amor
propõe enigmas. Trans-
põe montanhas de sombras,
interpõe-se entre os seres
e apenas se indispõe
para compor de novo
sua casca e seu ovo.

Carla.
.

Aluízio Casali disse...

Carla, minha querida, já lhe disse por outra mídia que adorei sua contribuição e a sua beleza (intencionalmente dúbio... rs).
Fica a sugestão de transpô-las para o novo título que criei, o Recadário, assim todos poderão ler e comentar também num espaço destinado para isso.
Beijo, minha linda.

Gorete disse...

Aluizio, não sabia que a Wendy estava por aqui ... fiquei feliz.
bjos e parabéns!

Márcia disse...

Tão lindas!

Anônimo disse...

me procurei...não me encontrei...ando perdida em algum canto,rsrs